Aos Estudantes de Medicina, por Drauzio Varella.

  Artigo, 22 de Out de 2014

Aos Estudantes de Medicina, por Drauzio Varella.

Olá, amigos do iMeds.

Quem acompanha nossa página no Facebook já deve ter visto o post sobre a carta que o Doutor e Escritor Drauzio Varella fez para todos os estudantes que cursam medicina. 

Caso você ainda não tenha curtido nossa página, deixamos o link aqui: https://www.facebook.com/iMedsBrasil

E para quem ainda não tenha lido, segue o texto:

''Na coluna de hoje vou resumir-lhes as lições mais importantes que aprendi em quarenta anos de atividade clínica.

Na verdade, a ideia de reuni-las surgiu semanas atrás quando o diretor Wolf Maia me convidou para fazer uma pequena palestra para atrizes e atores que interpretavam papéis de estudantes de medicina numa cena da novela das nove. “Haverá uma classe com alunos e nenhuma dramaturgia, diga o que quiser”, propôs ele.

Hesitei diante do convite inusitado, mas no fim achei que seria boa oportunidade para dizer aos alunos:

1) Tenham sempre em mente que encontrarão mais dificuldade para receber os cuidados de vocês justamente as pessoas que mais necessitarão deles.

O médico deve lutar por condições dignas de trabalho e por remuneração condizente com as exigências do exercício profissional, mas sem esquecer de cobrar da sociedade o acesso universal dos brasileiros ao sistema de saúde.

2) É fundamental ouvir as queixas dos doentes. Sem ouvi-las com atenção, como descobrir o mal que os aflige?

Embora as características do atendimento em ambulatórios, hospitais e unidades de saúde criem restrições de tempo, cabe a nós exigirmos para cada consulta a duração mínima que nos permita recolher as informações imprescindíveis. Com a prática vocês verão que ficará mais fácil, porque aprenderão a orientar o interrogatório, especialmente no caso de pessoas prolixas e pouco objetivas. O desconhecimento da história e da evolução da enfermidade é causa de erros graves.

3) Medicina se faz com as mãos. Os exames laboratoriais e as imagens radiológicas ajudam bastante, mas não substituem o exame físico. Esse ensinamento dos tempos de Hipócrates deve ser repetido à exaustão, porque a tendência do ensino nas faculdades tem sido a ênfase nos exames subsidiários em prejuízo da palpação, da ausculta e da observação atenta aos sinais que o corpo emite.

Como consequência, cada vez são mais frequentes as queixas de que o médico pediu e analisou os exames e preencheu a prescrição sem chegar perto do doente. Não culpem a falta de tempo nem tenham preguiça, em cinco minutos é possível fazer um exame físico razoável.

Tocar o corpo do outro faz parte dos fundamentos de nossa profissão.

4) Procurem colocar-se na pele da pessoa enferma. Quanto mais empatia houver, mais fácil será compreender suas angústias, seus desejos e seu modo de encarar a vida. Não cabe ao médico fazer julgamentos morais, impor soluções nem decidir por ela, mas orientá-la para encontrar o caminho que mais atenda suas necessidades.

5) Medicina é profissão para quem gosta muito. Exige do estudante bem mais do que as outras: são seis anos de graduação, dos quais os dois últimos dedicados ao internato, que não por acaso recebeu esse nome. Depois vem a residência, com três, quatro e até cinco anos de duração. O dia inteiro nos hospitais públicos, os plantões de vinte e quatro horas, as jornadas intermináveis.

É a única profissão que obriga o trabalhador a cumprir horários que a abolição da escravatura eliminou. Por exemplo, trabalhar o dia inteiro, entrar no plantão noturno e emendar o expediente do dia seguinte; trinta e seis horas sem dormir. Existe outra categoria de profissionais em que essa prática desumana faça parte da rotina?

Se o exercício da medicina já é árduo para os apaixonados por ela, é possível que se torne insuportável para os demais. Se vocês escolheram segui-la apenas em busca de reconhecimento social ou recompensa financeira, estão no caminho errado, existem opções menos sacrificadas e bem mais vantajosas.

6) Medicina é para quem pretende estudar a vida inteira. É para gente curiosa que tem fascínio pelo funcionamento corpo humano e quer aprender como ele reage nas diversas circunstâncias que se apresentam.

O médico que não estuda é mais do que irresponsável, coloca em risco a vida alheia.

7) Finalmente, para que foi criada a medicina? Qual a função desse ofício que resiste à passagem dos séculos?

Embora a arte de curar encante os jovens e encha de prazer os mais experientes, não é esse o papel mais importante do médico. É interminável a lista de doenças que não sabemos curar.

A finalidade primordial de nossa profissão é aliviar o sofrimento humano.''

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